segunda-feira, 28 de julho de 2014

Entre augustos e anjos


Intermináveis são as carnificinas 
e entre os vermes,
o amoníaco contido no sofrimento brasileiro.

Autor proveniente da mesa de bar,
como todos outros e nós.
Talhando o romantismo do poeta das sombras,
das sombras das sombras.

E, aos leitores solitários 
que convivem com os morcegos de sua consciência, 
um augusto e um afago.

Debaixo do tamarindo 
escutando a voz do vento 
e reclamando a caixa derradeira,
que guarda o passado da flora brasileira.
Um anjo.

Ah, poeta da anti-celebração da vida 
que com a carne já em putrefação,
como em seus versos,
se tornou o imortal da contemporaneidade.

Um nordestino iniciado simbolista 
a tornar-se fundador expressionista,
na mórbida natureza paraibana.
De alma, mineiro.

O professor que deu aulas em vida.
E deixou em lápide o pó e giz 
às futuras gerações,
às gerações de augustos
e dos anjos. 
 
 
 

sábado, 24 de maio de 2014

Face da loucura



Meu uníssono não soa em harmonia,
minha harmonia enlouquece
ao ouvir o relato dos que vivem a par da sociedade.

Julgam-se quem são os loucos, sendo os próprios.
Qual o limite? A sanidade ou a razão?

Lobotomizaram minhas lembranças,
trans-orbitalmente.
Separaram-me de minha existência
e o vazio sobrou para arrastar-me
a este manicômio residencial.

Fiz um CAPS de lembranças.
Recluso em minhas paranóias, devaneios e sonhos dilacerados.
Um vivo que enxerga o mundo com olhos de defunto.

A linguagem surgiu como forma de redenção,
salvando minha loucura da sanidade.
Palavras e versos como cláusulas pétreas.
Abandonar as metas, os prazos, viver
como louco.

Desatinado em minha esquizofrenia
ameaço o surto, surto.
No espelho a fronte em psicose encara uma humanidade sofredora.

Em meu hospital psiquiátrico, o da Rua Dom Silvério
o mesmo da rua ao lado, e do centro da cidade
e de cada esquina, de cada rosto exausto pela árida rotina
de ser “normal”.
Sozinho em frente ao espelho,
enxergo a face da loucura. 


quarta-feira, 23 de abril de 2014

22 de Abril (O dia que não teve fim)



Aqui não serão encontradas palavras,
nenhum verso ou rima.
Apenas uma folha de papel em branco
e algum desalento.

22 de Abril.
Este dia jamais terminou.
A chuva começara a cair do lado de fora
a anunciar a tragédia aqui dentro.

Minhas lágrimas em forma precipitada inundaram
a cidade.
O barulho dos trovões ecoou fraco
se comparado à angústia que expeli pela garganta.
O vento levou minha indignação aos quatro cantos da cidade
ao anunciar meu grito de desespero pelo mundo.

A solidão bateu mais uma vez a porta, implacável.
Porém, desta vez não assenti com sua entrada,
não fizemos café ou algum mal traçado verso.
Neste dia atirei-me em pranto a seus pés e clamei
para que alguém ouvisse o conclamar de meu desespero.

Ninguém ouviu.

Ninguém viu,
ninguém viu meus braços dilacerados por agulhas
que cortaram minha alma.
Ninguém viu,
ninguém viu a frieza do ato, a coragem do abandono.

Ninguém viu, nem verá. 

22 de Abril.
Neste dia o verbo amar não foi conjugado,
apenas por aqui passaram a repugna e o
sentimento de abandono.

Meu ego foi cegado e a solidão bateu mais uma vez
a minha porta.
- Pode entrar.

Quanto vale uma vida?
Nesta folha em branco não haverá resposta alguma, nenhum
verbo ou substantivo será proclamado.
Afinal.
Nada, é o tema deste poema em branco.

22 de abril
Este dia jamais terá fim. 




segunda-feira, 10 de março de 2014

Mármore

O melhor presente se dá através de palavras, só tenho a agradecer ao grande amigo Vinicius Mahier por essa homenagem. 



Teu mármore abrasa! E erotiza
Sensações corpóreas,
Como a vida!
(Fique a alma tranquila a contemplar-se além
Das sensações,
Criando-as, ao longe...)
Tantas dúvidas há em seus poemas,
Que eu me perco sempre
Descobrindo neles
Algo além de uma beleza frágil
Que me diz, me ouve,
Me transcreve
Na magia de aceitar temores, e recuos,
Como cruz em que a palavra
Finca as guerras (e as estrelas!...) da existência
E por elas escorrem...
(Teu mármore é brasa, é pele, é sangue,
É arte!)
Mundo, vasto mundo
Se eu me chamasse Mirele
Eu seria uma dúvida
Não seria uma solução.
Tanta beleza há em ser dúvida
E coexistir
Com a força!... com a garra!... com a coragem!
Com a tristeza, que é linda, pois perece
Como a artista que alimenta-a
E, redentora, se salva
E renasce!...
Diariamente, procurando a falta!
— Eu não deveria te dizer,
Mas essa cruz,
Essa palavra,
Esfaqueiam o meu espírito sem mármore,
E apenas sei sangrar
O avesso da solidão trivial:
Sua solidão, possível e amorosa...
Que zelo, solitário...
(Ao longe nossas almas dão-se as mãos...) 

                                                                     Vinicius Mahier

quarta-feira, 5 de março de 2014

Dedos



Que rabiscam na folha a morada
estabelecida e firme no universo.
Que sobre as linhas da juventude sem idade
esvai-se em palavras, apodrece-os.

Dedos que resenham as chagas de suas mãos
que, como as de Jesus em sua humanidade sofredora,
foi julgado.
A firmeza de um lápis expressando a covardia
de uma ânsia rara,
mutilação de sentimentos, e dedos.

Em sua letra de fôrma, a forma mórbida
do que um dia existiu como impressão digital.
E foi destruído, um a um, cada rabisco
daquilo que já não cabia em si.
Sem dedos, e esperança.

Foi acumulando poemas e perdendo polegares,
destruindo possíveis possibilidades e  
se jogando em abismos mentais.

Chorou com a ponta do grafite enquanto desenhava
um jardim em sua alma,
para não dizer que não falei das flores,
como Dalloway não pude, eu mesma comprá-las.   

Não restava-me uma única cutícula propícia 
a arrancar uma acácia que exalasse 
seu perfume sobre a podridão de minhas narinas.

Perdeu tudo,
a alma e a mão, a prolixidade
e a singleza das palavras, afinal,
como não poderia?
Já que a esta altura do poema já não restava-lhe mais
nada, nenhum sentimento ou coração.
Que dirá algum d